sábado, 31 de março de 2012

Fundamentos sobre Lesão Celular

O termo degeneração, refere-se a alterações celulares que não
matam a célula, deixando-as com as funções diminuídas. Estas alterações podem ser reversíveis
ou evoluir para a morte celular. Pode ocorrer ou não acúmulo de substâncias no citoplasma.
Uma causa comum de degeneração celular é a anóxia.
A célula tem quatro sistemas interdependentes que quando alterados podem levar a
morte celular:
1- membranas - que mantém a homeostasia iônica e osmótica da célula e das organelas.
2- respiração aeróbica - fosforilação oxidativa com produção de ATP (mitocôndrias).
3- síntese de proteínas e manutenção do citoesqueleto.
4- DNA.
As principais causas das alterações celulares e das doenças são: alterações genéticas,
deficiências nutricionais, distúrbios endócrinos, doenças imunológicas, agentes físicos e
químicos, infecções, anóxia.

Ações específicas
É difícil determinar o local exato de ação das substâncias que causam lesão celular, mas
estas devem interferir em sistemas básicos da célula, como na manutenção da integridade do
DNA e das membranas, na síntese de proteínas e no funcionamento das mitocôndrias. Algumas
substâncias reagem diretamente com moléculas das células, outras indiretamente pela formação
de substâncias tóxicas ou radicais livres.

Lesão por isquemia
A hipóxia, causada por obstrução vascular ou outros mecanismos, causa alterações celulares
bem estudadas e que ilustram como ocorrem lesões reversíveis ou irreversíveis. A sensibilidade
de cada célula depende da capacidade em resistir a falta de oxigênio, ATP, entrada de cálcio e neutralização de radicais livres. Os neurônios são muito sensíveis, mas fibroblastos são
extremamente resistentes.

-A falta de O2 diminui a fosforilação oxidativa e ativa a glicólise. Na respiração aeróbica
formam-se 38 ATPs (304.000 cal.) e na glicólise apenas 2 ATPs por glicose. Há acúmulo de
ácido lático, com diminuição do pH.
-A concentração de Na+ intracelular é menor do que extracelular, enquanto que a de K+ é maior.
Esta diferença de concentração é devido a bomba de Na+, que é um complexo de proteínas
dependentes de energia (ATP). Na falta de ATP, entra mais Na+ na célula, principalmente no
R.E. e mitocôndrias, dando à célula o aspecto de inchação turva (ver tumefação celular abaixo).
Os ribossomos se desprendem do RE.
-A concentração de Ca++ no citosol é muito baixa, sendo este removido por bombas dependentes
de ATP. Normalmente o Ca++ celular está ligado a proteínas no RER e mitocôndrias. A
quantidade de Ca++ aumenta no citosol devido ao aumento de permeabilidade dos canais de íons
cálcio, alteração das membranas, diminuição de ATP e lesão mitocondrial. A entrada de Ca++ na
célula é o ponto em comum de muitas causas de morte celular.
-A maior concentração de Ca++ ativa enzimas destrutivas como fosfolipases, proteases
(membranas e citoesqueleto), ATPases (ATP), com desorganização de membranas das organelas
e dos componentes do citoesqueleto.
-O Ca++ desnatura proteínas, causando alterações características da necrose por coagulação.
-Os efeitos da maior concentração de Ca++ parecem ser mediados por radicais livres.
-A ruptura dos lisossomos libera enzimas hidrolíticas, ativas em pH ácido. As células lesadas
liberam enzimas no plasma, como ocorre nas hepatites e no infarto do miocárdio. No infarto há
liberação de TGO (transaminase glutâmico oxaloacética), transaminases pirúvicas, LDH
(desidrogenase láctica), CK (creatinina quinase).
-Cerca de 60 segundos após o início da isquemia, a célula cardíaca para de se contrair, começa a
usar glicogênio (glicólise) com conseqüente produção de ácido láctico e diminuição do pH.
Posteriormente sofre as alterações acima descritas, sendo estas reversíveis até 1 hora após a
hipóxia. As alterações morfológicas serão observadas em microscopia de luz depois de 12h da
morte celular.

Tumefação celular
É conseqüência da entrada de água na célula devido a alteração da permeabilidade da
membrana celular. O edema celular ocorre quando há alteração no equilíbrio iônico, com entrada
de Na+, devido a diminuição na produção de energia (ATP). Fragmentos de fígado incubados
com cianeto ou 2-4 dinitrofenol sofrem edema celular devido a insuficiência de ATP. As células
tornam-se levemente granuladas e vacuolizadas. Em seguida, pelo menos in vitro, se for
diminuída a concentração de Na+ (sal), a célula perde água e pode voltar ao normal. In vivo é
mais provável que a entrada de Na+ seja resultante de lesões celulares, e não simplesmente
devido a maior concentração de sal no meio extracelular.
Ocorre principalmente nos rins, fígado e miocárdio. Nos rins os túbulos têm a luz
diminuída e irregular, às vezes com o citoplasma arrebentado. A célula fica com volume
aumentado, organelas espaçadas e núcleo intacto, sem deslocamento. As células com núcleos
pálidos ou fragmentados já estão sofrendo necrose. Macroscopicamente o rim fica com peso
aumentado, e o parênquima torna-se saliente quando a cápsula é cortada. Em microscopia
eletrônica observa-se dilatação do RE e mitocôncrias.

Atrofia Celular e Autofagia
Quando o estímulo é nocivo a célula pode atrofiar. Proteínas e organelas são envolvidas
por membranas derivadas do RER, que se fundem com lisossomos, causando degradação das
organelas. Células em atrofia podem mostrar vacúolos autofágicos em microscopia eletrônica,
como corpos densos, lamelares (figuras de mielina), devido as membranas ricas em fosfolípidios
não digeridos (corpos residuais), chamados de lipofuscina. A lipofuscina é facilmente observada
em células cardíacas de idosos em microscopia de luz, como grânulos amarelos.
Macroscopicamente o coração tem coloração marrom, chamado de atrofia parda.

 Radicais livres
Radicais livres são espécies químicas bastante reativas, consequentemente instáveis, que
têm um elétron não pareado na órbita mais externa. Nas células, a principal fonte de radicais
livres é a mitocôndria, oriundos dos processos oxidativos da respiração. Também são formados
no citosol, lisossomos, RE e membranas, pela ação de enzimas como citocromo P-450 e xantina oxidase. Os principais radicais livres no organismo são derivados do oxigênio: Ânion
Superóxido O2•− e íon hidroxila OH•−. H2O2 é oxidante e fonte importante de radicais livres.
O radical hidroxila parece ser o mais importante na célula. O óxido nítrico também pode agir
como radical livre.
Formação dos radicais livres:
-reações de óxido-redução- o oxigênio respirado é usado na mitocôndria para formação de água,
CO2 e ATP. Os elétrons liberados no ciclo de Krebs formam ânions superóxidos. Na presença de
Fe, pela reação de Fenton formam ânion hidroxila, que é extremamente reativo, reagindo
imediatamente com proteínas, lipídios e DNA. O radical hidroxila pode ser formado pela reação
de Fenton, por radiação UV ou pela reação de Haber-Weiss
Reação de Haber-Weiss- H2O2 + O2
 OH + OH + O2
-Ferro livre- O Fe livre pode catalisar reações que formam radicais livres, na chamada reação de
Fenton. Fe++ + H2O2 Fe+++ + OH + OHIrradiação-
RX, UV - H2O H + OH
-Xantina oxidase- a xantina é um metabólito do ATP, que se acumula em células com hipóxia.
Quando oxidada pela xantina oxidase gera oxigênio reativo. Durante a isquemia não há formação
de radicais reativos de oxigênio. Quando a oxigenação é restabelecida, grandes quantidades de
radicais se formam nas mitocôndrias através da xantina oxidase, podendo ocorrer a necrose por
re-perfusão. Allopurinol, inibidor da xantina oxidase, tem sido usado clinicamente para limitar a
necrose cardíaca após infarto do miocárdio.
-Neutrófilos- a destruição de bactérias pelos neutrófilos envolve radicais livres derivados do
oxigênio.
Tetracloreto de carbono- radicais livres são produzidos como produtos intermediários no
metabolismo de substâncias tóxicas como o tetracloreto de carbono (CCl3
 + Cl- ). O CCl4 é
metabolizado no REL dos hepatócitos, iniciando a peroxidação lipídica, com degradação das
membranas celulares e edema do RE visível em microscopia eletrônica após 2 h.
Efeitos dos radicais livres:
-Mitocôndrias - podem causar liberação de Ca++ para o citosol.
-DNA- estima-se que o DNA da célula humana está exposto a 10.000 “hits” oxidativos por dia.
A oxidação do DNA mitocondrial é maior porque está próximo de onde o radical livre é formado
em grandes quantidades. Além do mais, o DNA mitocondrial não tem histonas, que se ligam e
protegem o DNA nuclear. O DNA mitocondrial transcreve cerca de 10 proteínas, necessárias às
funções da própria mitocôndria. Sugere-se que a alteração do DNA mitocondrial leva a
diminuição de produção de energia, e isto seria uma das causas do envelhecimento.
-Altera proteínas das bombas iônicas.
-Peroxidação de lipídios- desorganização de membranas (a reação é autocatalítica, com a
molécula atacada tornando-se ativa, formando uma cadeia de reações).
-Admite-se que radicais livres participam da aterosclerose, câncer e envelhecimento.
Inativação dos radicais livres:
Antioxidantes: vitamina E e β-caroteno. São lipossolúveis e protegem membranas.
Enzimas:
-Superóxido desmutase- transforma superóxido em peróxido de hidrogênio.
-Catalase, glutationa peroxidase - transformam o peróxido de hidrogênio em oxigênio e água.
A glutationa peroxidase catalisa a liberação de H do grupo SH da glutationa reduzida (GSH),
que reage com OH ou H2O2.
2 GHS + 2 OH H2O + GS-GS
2 GHS + H2O2 2H2O + GS-GS
-Transferrina - se liga a Fe livre, inibindo a reação de Fenton.

Em resumo, o radical livre oxida moléculas de DNA, proteínas e lipídios, num processo
comparável ao da ferrugem. Que tal o ditado “estou enferrujado”?
Lesão sub-letal - (inchação turva)
-edema mitocondrial
-edema do RE
-perda de ribossomos
-resposta de estresse
-autofagia de organelas e proteínas alteradas
Morte celular
-perda de nucléolo
-perda de ribossomos
-edema mitocondrial e RE mais intensos
-ruptura de lisossomos
-fragmentação de membranas
-alteração nuclear- picnose, cariólise, cariorrexe
Obs. edema mitocondrial é a alteração inicial, sendo parâmetro de fixação em microscopia
eletrônica de transmissão.

Lesão celular por vírus
Quanto a forma de causar alterações celulares, os vírus são classificados em citopáticos e
oncogênicos. Os citopáticos se multiplicam dentro da célula, usando toda a maquinaria genética
desta para sua própria replicação. Neste caso, a célula hospedeira é destruída pelo vírus ou por
mecanismos imunológicos, como ocorre na hepatite, AIDS, herpes. Os oncogênicos modificam o
genoma celular, integrando-se a este e replicando-se juntamente com todo o genoma da célula
hospedeira, podendo facilitar a formação de uma célula neoplásica, dependendo do lugar onde se
insere.